14 Agosto 2023
STF retomou, na última semana, julgamento que começou em 2015; antes da sessão ser encerrada 4 ministros votaram a favor.
A reportagem é de Jéssica Rodrigues, publicada por Brasil de Fato, 13-08-2023.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na última semana o julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A análise do assunto começou em 2015 e, na última quinta-feira (3), após o voto do ministro Alexandre de Moraes, a sessão foi adiada novamente com quatro votos favoráveis à descriminalização.
Em seu voto, Alexandre de Moraes sugeriu que entre 25 e 60 gramas seja a quantidade permitida por usuário. O ministro Gilmar Mendes, que é relator do caso, pediu o adiamento para formular uma nova tese sobre o caso.
Especialistas apontam que a decisão favorável pode reduzir os efeitos negativos da chamada "guerra às drogas". É o que explica a integrante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Fani Santos. Para ela, os impactos são ainda maiores no Rio de Janeiro, principalmente, para as pessoas negras e periféricas.
"Qualquer operação que acontece nas favelas é morte e não é coincidência todos esses corpos que são arrastados pelos policiais e jogados em 'caveirões' serem corpos negros", diz.
Fani acredita que o debate no STF é muito importante, ainda que seja um pequeno passo para enfrentar o estigma que usuários de drogas enfrentam. "Para que a gente possa falar sobre política de drogas, sobre pessoas que usam drogas, porque pessoas que usam drogas são demonizadas, só que as drogas existem desde que o mundo existe. A gente precisa lidar com isso, a gente precisa informar as pessoas sobre aquelas substâncias e não as matar, não as prender", explica.
A tese inicial de Gilmar Mendes propõe a descriminalização de todas as drogas, mas ainda há divergência entre os ministros sobre a medida ser apenas sobre a maconha.
O diretor executivo da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, acredita ser fundamental que o debate no STF seja sobre todas as drogas, pois só assim será possível diminuir as consequências da "guerra às drogas".
"A aplicação da lei ampliou disparidades raciais a partir da disfuncionalidade da polícia e do sistema de justiça. É fundamental que depois da decisão a gente consiga fazer o devido controle dessa disfuncionalidade ou então ela terá pouco efeito na vida das pessoas que mais sofrem hoje com os danos produzidos pela lógica da guerra às drogas", conta.
A nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) substituiu a regra de 1976 e faz distinção entre usuário e traficante. Apesar de o tráfico de drogas levar à prisão com pena mínima de cinco anos, usuários apenas levariam advertências, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de cumprir medidas educativas. Porém, a realidade é diferente.
Segundo o diretor da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Chico Cordeiro, o modelo adotado para lidar com usuários traz como um dos principais impactos o encarceramento.
"Já existe hoje um bom núcleo de pesquisa brasileiro que diz que a maioria das pessoas que são consideradas traficantes são usuárias, e que isso acaba tendo impacto no sistema penal brasileiro. E pensando além, o sistema de justiça chega antes de outros sistemas de garantia de direitos, por exemplo, o sistema de saúde. Se as intervenções relacionadas à saúde chegassem primeiro muito provavelmente não teria essa consequência", finaliza.
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Descriminalização do porte é fundamental para dar fim à 'guerra às drogas', dizem especialistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU